paieiro
A luz do quarto estava apagada, mas eu podia ver a silhueta do corpo dele encostado na janela, olhando para fora enquanto fumava seu cigarro de palha. O vento soprava a fumaça de volta para dentro e eu a inalava deitado na cama. Aquele era o cheiro que tinha se tornado familiar e agradável para mim nos últimos meses. É engraçado como nos últimos tempos eu tinha começado a fazer coisas que, quando criança eu abominava. Fumar. Usar drogas. Sexo sem amor.
Me lembro do primeiro trago que eu dei em um cigarro, da minha pressão caindo e a boca começando a salivar, do mesmo jeito que saliva quando estou no banco de trás de um carro viajando pela BR-381, de quando eu peço pra parar no acostamento porque preciso vomitar. Mas ali, no meio da galera, essa não era uma opção, então me concentrei em engolir a saliva e beber qualquer outra coisa para tirar o gosto da minha boca. Fora toda a cena da tosse descontrolada, que sempre rola com os iniciantes.
Foi tempos após isso que eu comecei a fumar de verdade, com frequência, quando comecei a ser uma pessoa muito mais ansiosa. Cigarro de palha, nunca o branco. Os mineiros tem essa qualidade gostosa. O cheiro do paieiro não impregna nas coisas, então eu podia fumar dentro do quarto sem me preocupar, no outro dia não tinha odor nenhum. Eu só me incomodava com as pontas dos dedos amareladas e odiava beijar logo após um trago, porque a boca ficava seca.
Me arrastei para a beirada da cama e vesti uma cueca, paralelamente minha mente reclamava sobre o chão estar gelado. Caminhei até a janela, para o lado dele. Não falamos nada, apenas peguei o cigarro, que agora estava reservado na orelha e acendi para dar um trago. Essa é outra peculiaridade do paieiro, você não fuma ele todo na hora, você apaga e guarda o resto na orelha pra terminar depois.
Devolvi o cigarro e o abracei por trás, sentindo o calor do seu corpo contra o meu. Percebi que ele tinha se arrepiado, então me arrepiei também. A gente provavelmente ia transar de novo, mas ele ia voltar pra casa, ele nunca dormia aqui de verdade. Ninguém nunca dormia aqui. Nunca se ofereceram e eu também nunca pedi. Ele me deu as mãos e puxou para a cama. Admirei seu rosto e corpo, me lembrando de uma música que eu tinha escutado recentemente.
“não quero ponta, quero você feito fumaça, na minha boca. Não quero ponta, eu quero tanto, te fumar inteiro pra ver se chapa”
Eu estava viciado nele assim como estava viciado no cigarro. A diferença é que enquanto um me acalmava, o outro me deixava mais ansioso. Ele me deixava ansioso. Quando nos beijamos pela primeira vez ele me levou para uma rua afastada do rolê e disse depois para eu não contar pra ninguém. No outro dia descobri que ele era comprometido. Continuei mesmo assim, nos encontramos outras vezes e no fim da noite ele sempre voltaria para casa, ele nunca dormiria aqui.
Sempre restaria eu e meu cinzeiro transbordando.
— Eu te amo. — Falei enquanto estava sentado por cima dele.
Depois desse dia ele nunca mais voltou.
Uau, amo ler seus txts como resultado do Clube. Só fiquei com dor no coração de não ter ouvido a leitura